18
Nov
2021

DIREITOS DAS CRIANÇAS OU DOS PAIS DAS CRIANÇAS?

Fonte Jornal de Notícias

Nuno Cerejeira Namora

18
Nov
2021

Assinala-se hoje, 20 de Novembro, o Dia Internacional da Convenção dos Direitos da Criança.

Nuno Cerejeira Namora, Managing Partner da Cerejeira Namora, Marinho Falcão, assina um artigo de opinião para o Jornal de Notícias, onde faz uma reflexão à presença da imagem das crianças no ambiente digital, nomeadamente na partilha de fotografias e vídeos nas redes sociais e alerta para o seguinte: "poderão os pais dispor do direito à imagem dos seus filhos?"

Diagnosticamos, nos dias de hoje, uma verdadeira compulsão da sociedade em partilhar a sua vida privada na internet, quer através da publicação de fotografias ou vídeos nas redes sociais, quer através da partilha de informações pessoais em fóruns, excedendo bem para lá do razoável a necessidade de aceitação e a exacerbação dos egos pessoais. Para muitos, há uma nova máxima: “o que não está na intenet, não está no mundo”.

Nesta métrica de constantes partilhas e likes se, por um lado, a disseminação de informação sobre crianças, fenómeno conhecido por sharenting - publicação constante, pelos pais, de fotografias dos filhos - pode tornar-se aliciante, tendo em conta a geral aceitação deste tipo de conteúdo digital, por outro lado, assume contornos especiais quando colocado em confronto com todos os malefícios do ciberespaço, uma vez que, ao mesmo passo que a publicação de fotografias de crianças está apenas à distância de um clique e é “premiada” com inúmeras reacções, estas podem tornar-se numa verdadeira arma para os predadores sexuais, pondo em risco a segurança e privacidade das crianças. E apesar de estes problemas serem amiúde subestimados, em boa verdade, não há dúvidas de que os incidentes, fraudes e crimes, designadamente o morphing - termo reportado à prática de copiar fotografias tiradas da internet e fazer montagens com uma fotografia de índole pornográfica - têm aumentado exponencialmente, o que espelha a forma como as barreiras de segurança das crianças, enquanto seres especialmente vulneráveis, têm sido quebradas.

Ora, os avanços no mundo digital e as consequentes mutações no ambiente familiar trouxeram, também, novos desafios ao exercício das responsabilidades parentais. Num momento em que se comemora o Dia Internacional dos Direitos das Crianças, impõe-se, pois, colocar a questão: poderão os pais dispor do direito à imagem dos seus filhos?

A resposta não é linear, sendo necessária uma reflexão casuística e cuidada sobre, por um lado, os direitos das crianças, e, por outro lado, as obrigações dos pais, sempre orientados, aqueles e estas, pelo superior interesse dos menores. Em Portugal, o Tribunal da Relação de Évora já se pronunciou quanto a este tema, determinando que, a imposição aos pais, no âmbito da regulação das responsabilidades parentais, do dever de se absterem de divulgar fotografias ou informações que permitam identificar a filha nas redes sociais é adequado para salvaguardar o direito à intimidade da vida privada e protecção da segurança do menor.

Assim, reconhecendo que nem sempre é fácil saber qual o melhor critério de actuação dos pais face à internet e assumindo que estes não têm um verdadeiro direito a divulgar fotografias e informações dos seus filhos, essa partilha, pelos pais, deverá ser sempre, cuidadosamente ponderada e limitada, na medida do possível, a grupos restritos, de forma a minimizar os perigos reais do mundo digital. Se é certo que os pais têm o dever de proteger os filhos, mais certo, ainda, é que estes têm o dever de garantir e respeitar os seus direitos, nomeadamente os relativos à protecção de dados pessoais e à reserva da intimidade privada. Em suma, sopesados os interesses e direitos em confronto, deverá prevalecer sempre o superior interesse da criança, mesmo quando isso determine uma redução substancial de likes e reacções nas redes sociais.

Nuno Cerejeira Namora

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